A LENDA DE JACK DA
LANTERNA
(Por Regina Maria
Oliveira de Macedo)
Há muito
tempo atrás, acho que no ano 600 antes de Cristo, vivia na Gália um homem de
nome Jack que era muito grosseiro com as pessoas. Jack não respeitava ninguém:
Maltratava a esposa, os filhos, os amigos... Aliás, ele não tinha mais amigos,
justamente por causa dessa forma grosseira com que os tratava. Jack fazia
tantas coisas erradas, era tão sem escrúpulos que foi apelidado de "Jack Miserável".
Um dia o Diabo estava olhando a terra através do fogo mágico do inferno e viu Jack. Ele
viu Jack fazendo suas maldades e gostou muito dele. Todos os dias o Diabo
tirava um tempo para se divertir com as maldades que Jack fazia. Decidiu que
quando Jack morresse ele iria morar com ele no inferno, mas como Jack estava
demorando muito de morrer e o diabo tinha muita pressa em ter sua companhia,
decidiu ir até a Terra e traze-lo para o inferno de uma vez por todas.
Quando o Diabo chegou Jack estava em uma taberna sentado à mesa com o seu jeito
grosseiro de sempre exigindo da taberneira que lhe desse uma garrafa de vinho.
O Diabo
sentou-se à sua mesa e antes que Jack reclamasse alguma coisa foi logo dizendo
numa voz tenebrosa:
̶
Jack... Chegou sua hora... Vim para levar sua alma... Ela me pertence.
Como você está demorando muito de morrer, eu vim reivindicá-la pessoalmente,
pois não quero extravios... Você, Jack é um de meus súditos mais perfeito no
que diz respeito ao mau. Não vou permitir que você se torne uma boa alma...
Você me diverte muito... Quero você na minha casa, e já...
Jack se
assustou, mas como sempre foi muito esperto para enganar as pessoas, e sendo da iguala do Diabo não se intimidou. Disse ao
diabo:
̶ Mas
o senhor veio muito cedo. Eu ainda não tomei nem um gole do vinho que acabei de
pedir... Não, eu não estou pronto ainda. Se quiser me levar, vai ter que
esperar eu tomar o melhor vinho da minha vida! E para não ficar aí sem fazer
nada, eu o convido a saboreá-lo comigo. Afinal, com o calor que faz na sua
casa, duvido que já tenha tomado algo tão bom.
O diabo se
animou e aceitou o convite. O vinho era tão bom que uma única garrafa não foi
suficiente aos dois. Tomaram várias garrafas até que o diabo reclamou que
estava na hora de irem andando.
̶
Vamos embora, meu seguidor! A hora é chegada... Pague a conta e vamos...
Jack, que
era muito finório, enfiou a mão no bolso para pegar o suposto dinheiro que o
diabo acreditava que ele tinha. Sabe como é, não é mesmo? O Diabo não entra no
pensamento dos homens e por isso não podia ler o que Jack estava tramando. Jack
fez de conta que tomou um susto:
̶
Uai, cadê meu dinheiro? Parece que algum ladino o tirou de mim sem que
percebesse... E agora? Como vou pagar essa conta?
̶ Ora
mais... Hás de pagar como sempre fizestes, passando a perna na
taberneira. – Disse calmamente o diabo que de maldade entendia muito bem,
mas Jack retrucou dando um pulo:
̶
Isto é que não! Se tem uma coisa que nunca deixei de fazer foi de pagar a conta
do vinho que bebo. Tá pensando que vou deixar essa gentalha pensar que é melhor
que eu? Não, de jeito nenhum! Não saio daqui sem pagar minha conta! E começou a
berrar.
O Diabo,
temendo chamar atenção para sua pessoa começou a ficar nervoso. Perguntou a
Jack:
̶ O
que você propõe que se faça para resolver o problema?
Era tudo o
que Jack queria escutar. Rapidamente apresentou a proposta:
̶
Você disse que é o diabo, pois não?
̶
Sim, eu sou o Diabo.
̶
Pois então... Você não é o todo poderoso que se transforma em qualquer coisa?
̶ Mas
é claro que sim, – disse o Diabo todo orgulhoso. – E o que isto tem a ver com
sua história de pagar a conta?
̶
Você se transforma em dinheiro. Eu pago a conta e depois você se encontra
comigo lá fora.
O diabo
pensou que Jack estava querendo fugir da taberna. Deu um sorrisinho maroto e
disse para si mesmo:
“Esse
esperto está pensando que pode fugir de mim. Vou fazer o que ele quer e quando
ele menos esperar, eu me materializo ao lado dele”.
E foi em um
ZUUUPPT XÁ! Bem rápido que num milésimo de segundo o diabo se
transformou em uma moeda de ouro sobre a mesa.
Mais que
rápido que nunca, Jack apanhou a moeda. Contudo, ao invés de pagar a conta, ele
a guardou em uma sacola para moedas que tinha um crucifixo gravado no couro. O Diabo ficou preso. Não podia mais sair do porta-moedas de Jack. Começou a
implorar que o tirasse dali. Jack, esperto que só ele, propôs:
̶ Eu
lhe tiro daí sim, mas só se você me prometer uma coisa...
̶
Diga logo o que quer. – Retrucou o diabo.
̶
Pois muito bem, eu quero que você me deixe em paz por um ano. Depois de um ano
você vem me buscar. Eu ainda quero ficar por aqui um pouco mais.
É que Jack
pensou que, se dentro de um ano ele se tornasse um homem bom, o diabo não ia
mais querer levar ele. O Diabo, porém, tinha uma norma que não deixava de seguir:
quem fizesse trato com ele tinha que cumprir. Muito esperto, o diabo
perguntou a Jack:
̶
Quer dizer que se eu lhe deixar em paz por um ano, quando eu voltar para lhe
buscar você promete que vai comigo sem reclamar?
̶
Prometo. – Disse Jack.
O Diabo
tornou a perguntar:
̶
Quer dizer que você está fazendo um trato comigo de que se eu lhe deixar em paz
por um ano você vai comigo quando eu vier lhe buscar?
̶ Sim
é isso que eu estou dizendo.
O Diabo deu
um risinho de canto de boca e respondeu a Jack:
̶
Pois então, Trato feito!
Jack
respirou aliviado. Tirou a moeda de ouro que na verdade era o diabo em forma de
moeda da carteira e colocou de volta ao tampo da mesa. O diabo voltou a sua
forma e falou:
̶
Trato Feito, Jack! Daqui a um ano, no dia 31 de outubro, eu volto para lhe
buscar.
E assim
falando desapareceu numa nuvem de fumaça deixando um enorme cheiro de enxofre
no ar.
Jack
respirou aliviado. Não sabia ele que trato com o diabo não podia ser desfeito.
Mesmo assim, tomou a decisão de ser uma pessoa melhor. Pagou a conta e saiu da Taberna em direção à casa.
A partir
daquele dia Jack resolve mudar seu modo de
agir e começa a tratar bem a esposa e os filhos, passou a ir à igreja e até
mesmo a fazer caridade.
No entanto, Jack não estava satisfeito com sua nova vida. Afinal, ele
gostava mesmo era de ser malvado, por isso sua mudança não durou muito tempo! Um belo dia ele se esqueceu do trato feito com o diabo e voltou a
ser uma pessoa ruim. Por fim chegou novamente o dia 31 de outubro.
Jack estava indo para casa depois de uma noite de farra quando o Diabo
apareceu. Jack levou um susto, mas esperto como ele só fez de conta que não se
assustou.
̶ Bem vindo, diabo. Como você demorou!
O diabo se espantou com a atitude de Jack:
̶ Não me diga que estava ansioso que eu chegasse... – Disse o
diabo desconfiado. Jack se apressou em explicar:
̶ Pois é, estava sim... É que a semana passada, quando vi essa macieira
carregada, fiquei pensando em como deve ser bom assar maçãs lá no braseiro da
sua casa...
O diabo sorriu... Olhou a macieira e pensou que seria uma novidade no
inferno... Chegou a sentir o cheiro das maçãs assadas... Quando Jack viu o
olhar sonhador do diabo e sua língua a passar sobre os lábios, lambendo-os, viu
que o diabo iria cair na sua conversa. Botou seu plano em ação:
̶ É, seria bom... Pena que não vai poder ser... – Jack falou como
quem estava pensativo, meio lamentando... e suspirou dizendo rápido:
̶ Bem, estou pronto, diabo.
Pode me levar.
O diabo se espantou com a pressa e perguntou:
̶ E as maçãs assadas?
Jack viu que seu plano estava dando certo. Respondeu olhando a copa da macieira carregada, como quem estava
desanimado e resignado:
̶ Deixa para lá... Não vai dá certo mesmo...
̶ Por que não vai dá? – Perguntou o diabo mais curioso ainda.
̶ Ora, eu não vou poder colher maçãs, pois não sei subir na
macieira e você, com certeza, sendo o rei dos infernos, não vai querer subir
nessa árvore para colher maçãs como um empregado qualquer. Portanto, vamos embora e que as maçãs fiquem
aí.
Assim dizendo Jack convenceu o diabo a pegar umas maçãs da árvore para
levar para assar no inferno. Quando o diabo subiu no primeiro galho, Jack pegou um canivete em seu bolso e desenhou uma cruz no tronco. Dessa forma o diabo
ficou preso na árvore e não pode mais sair. Desesperado começou a implorar a
Jack que o tirasse dali. Jack diz que não, pois não quer morrer ainda. O diabo,
então, promete partir por mais dez anos.
Jack não aceitou a proposta. O diabo então lhe perguntou:
̶ O que, então, você quer para me tirar
daqui?
Jack sorrir, maravilhado. Ele podia pedir tudo ao diabo
naquele momento... Então ele determina:
̶ Eu tiro você daí se você me prometer fazer de mim um homem
muito rico e que nunca mais você virá aqui na terra para me aborrecer.
̶ Está bem, disse o Diabo já pensando em se mandar sem atender ao pedido de Jack, mas Jeck se lembrou das palavras dos contratos. O Diabo não disse "Trato Feito" disse "Está Bem" e ele sabia que bem, diabo não faz.
̶ Está bem, não. Quero saber se o Trato está feito. Como é Diabo... Trato Feito?
O diabo perdeu a esperança de enganar Jack. Poderia até tentar outros truques, mas a Cruz que tinha na árvore já o estava transformando-o em uma árvore para sempre. Se demorasse mais um pouco nunca mais ele seria o Diabo outra vez. Não lhe restou outra alternativa senão fazer o trato.
̶ Trato Feito! Trato Feito! Me tire logo daqui.
Jack o liberta da árvore. Assim
que se viu livre o diabo deu a Jack o prometido e foi-se embora danado da vida
por ter se deixado enganar mais uma vez. Jurou, no entanto, que um dia Jack lhe pagaria por
lhe ter feito de bobo.
O tempo foi passando e Jack ficou velho. Um dia ele pegou uma gripe
muito forte e como continuava sendo uma pessoa muito malvada, não achou quem
quisesse cuidar dele. Resultado: Jack foi piorando... Piorando... Até que um
dia ele morreu.
Sua alma saiu do seu corpo e voou até a porta do Céu. Chegando lá, Deus
lhe disse que não podia ficar no céu, pois lá só podia entrar quem tinha sido
uma boa pessoa na Terra. Jack tentou até enganar a Deus, mas acontece que Deus
sabe tudo o que se passa no coração do homem e também na sua mente e assim,
Jack não conseguiu entrar no Céu.
Sem outra alternativa ele foi para o inferno. Mas o Diabo quando o viu,
lhe falou:
̶ Ah, não! Aqui você não entra. Você me enganou duas vezes; não
vai me enganar pela terceira vez. Pode ir embora daqui.
Jack olhou em volta e não viu nada. Tudo era apenas uma enorme
escuridão. Ficou apavorado. O inferno era quente, mas ele pelo menos já
conhecia o Diabo... Se nem o Diabo o queria, o que iria fazer? Começou a
chorar. Para sua surpresa, o Diabo jogou para ele uma brasa dizendo:
̶ Não sou tão ruim como você, Jack. Tome essa brasa em consideração aos divertimentos que você me proporcionou quando lhe acompanhei na terra através do meu fogo mágico. Com ela,
ilumine seus caminhos quando caminhar pelo limbo, rá, rá, rá, rá... Tome cuidado, pois se ela se
apagar você ficará no escuro para sempre. – E assim dizendo, deu mais uma gargalhada
infernal e fechou a porta do inferno.
Jack olhou a brasa e viu que ela começava a se apagar. Desesperado,
olhou em volta e viu um nabo oco no chão. Apanhou o nabo e colocou a brasa
dentro dele para que durasse mais e saiu perambulando pela escuridão.
Andou, andou e muito tempo se passou até que um dia ele encontrou uma
bruxa que estava morrendo de frio.
A bruxa tinha vindo dos Estados Unidos e
carregava uma abóbora. Sua intensão era plantar as sementes pois sabia que as abóboras simbolizavam fertilidade e sabedoria, mas quando passou pelo limbo, não suportou o frio. Para sorte dela, nesse dia Jack tinha aprendido a ser um pouco melhor.
Ele se sentia muito só...
Sentou-se perto da bruxa, colocou as mãos dela em
volta do nabo onde estava a brasa e a ajudou se aquecer com o calor que emanava
dele.
A bruxa recuperou suas forças e para agradecer a Jack deu um jeito para
que a brasa do nabo nunca se apagasse: pegou sua abóbora, retirou os caroços,
desenhou olhos, nariz e uma boca sorridente.
Em seguida fez um corte nesses desenhos de forma a abrir buracos como se a abóbora fosse uma cara. Colocou a
brasa dentro dela, recolocou a tampa por onde tinha retirado as sementes,
amarrou uma corda de um lado e outro da
abóbora, de forma a fazer uma alça, e a entregou a Jack dizendo-lhe:
̶ Não posso lhe tirar daqui, pois você contrariou até o diabo e
não sou boba de chatear alguém tão poderoso quanto ele. Assuntei que foi o próprio
diabo quem lhe deu essa brasa... Por isso coloquei ela dentro dessa abóbora onde esculpi
essa cara. Aqui dentro essa brasa não vai apagar nunca mais e quando chegar o
dia 31 de outubro, único dia em que os mortos poderão visitar a terra, você
coloca a abóbora na cabeça e usa essas correntes com essa lanterna.
A abóbora vai lhe esconder e o fogo não vai lhe queimar pois nesse dia, assim que você colocar a abóbora na cabeça, ele vai parar dentro da lanterna que as correntes têm na ponta. Assim disfarçado, você vai poder dar
uma voltinha lá. O diabo não vai saber
que você saiu do Limbo. Agora não se esqueça, você só poderá fazer essa transformação e ir à Terra no dia 31 de
outubro que é o dia do Halloween. Volte antes de clarear o Dia de Todos os Santos.
Depois dessa conversa a bruxa montou em sua vassoura e foi embora. Jack ficou lá, caminhando na escuridão que agora
estava bem mais iluminada, graças à abóbora da bruxa.
Nesse dia ele decidiu que
todo dia 31 iria à terra e quando visitasse as pessoas ele lhes perguntaria:
̶ Durante o ano você fez doces, ou fez travessuras?
Se as pessoas lhes dessem doces ele saberia que elas não fizeram
travessuras e na casa dessas pessoas haveria paz e harmonia, mas se as pessoas
não tivessem doces para lhe dar, Jack saberia que não foram boas, pois pessoas
boas sempre têm algum doce em casa para oferecer às visitas. Então na casa que não tinha doces haveria
muita atrapalhação até o dia em que Jack voltasse, para saber se a pessoa fez
doces ou travessuras, outra vez.
Fim