Feira de Santana,
Berço de Minha Família
(Maria da Hora Oliveira
– Vovó Zeza, em dezembro de 2007)
Feira de Santana originou-se vivenciando
a hospitalidade. Os compradores destas terras vieram de longe, de Portugal,
como todos os colonizadores de Brasil: Domingos Barbosa de Araújo e Ana
Brandoa. Eram católicos, devotos de Sant’Ana e por isso deram à sua fazenda o
nome de Santana dos Olhos D’Água em homenagem à sua padroeira Sant’Ana e em
decorrência da grande quantidade de nascentes de água potável que, espontaneamente
brotavam deste chão.
Os viajantes, tropeiros, boiadeiros, que
desciam do sertão para comercializar suas mercadorias nos grandes centros
comerciais do recôncavo, aqui paravam para descanso da meia jornada e
encontravam assim a hospitalidade dos fazendeiros Domingos e Ana, juntamente
com pastagem para seus animais e principalmente água em abundância.
O casal, donos da fazenda, havia
construído, ali, uma capelinha em homenagem a sua padroeira. Aos domingos se
reuniam para suas orações. Reunidos ali os viajantes aproveitavam a
oportunidade para troca dos seus produtos, originando-se assim, uma mini-feira
livre.
Domingos e Ana não tiveram filhos. Sem
herdeiros, doaram suas terras à Senhora Sant’Ana que, com a morte do casal,
continuou recebendo os seus viajantes, todos vindos de longínquas paragens,
aqui convergidos para o descanso merecido. Alguns ficavam. Fixavam
residências... Ia surgindo o casario, formava-se o povoado, depois a vila, com
sua feirinha de Sant’Ana, atração da vizinhança. Daí a tornar-se uma cidade foi
um pulo.
Como todos os que aqui chegavam, em
busca de alguma coisa, também cheguei. Cheguei em busca do saber. Era o início
do ano de 1944. Tinha meus 18 anos. Queria ser professora. A nossa cidade já
estava transformada numa pequena princesa, com suas três ruas principais: Rua
Direita, hoje Rua Conselheiro Franco; Rua do Meio, hoje Rua Marechal Deodoro e
a Rua Senhor dos Passos, ostentando bonitas residências de usineiros e
comerciantes.
Fiz o exame de admissão para ingressar
na Escola Normal. Meus examinadores: Dr. Gastão Guimarães (Diretor da Escola);
Profª. Esmeralda Machado de Britto, posteriormente minha amiga e benfeitora;
Profª. Sidronia Jaqueira; Profª. Regina Vital, mais tarde minha comadre e
Profª. Ursula Martins. Passei no exame que era um mini-vestibular. Passei! Que
alegria, quando tímida, temerosa de não haver passado, ouvi alguém dizer, lá na
frente do grupo que se espremia, cada qual querendo ver se o nome estava na
lista dos classificados: “Quem é Maria da Hora Oliveira? Passou em 1º lugar...”
Nem esperei achar passagem para chegar à frente. Saí correndo e fui avisar à
dona do pensionato onde estava hospedada. Entrei gritando: Passei, passei Dona
Enedina, passei em 1º lugar!
Feira de Santana era, então, uma
princesa tão pequena, que o primeiro trabalho dado pela professora de
geografia, no primeiro mês de nota, era levantar o croquis da cidade. Isso
fizemos em apenas uma manhã de caminhada pelas ruas.
Formei-me em professora primária em
1948. Em 1949 seguia contratada estagiária para o interior de Rui Barbosa
(Morro das Flores) a fim de levar o saber, a cidadania às crianças do sertão.
Em janeiro de 1950 fiz concurso para me efetivar no estado. Passei e fui
nomeada professora primária efetiva com exercício na Escola Estadual do Ichu,
Município de Riachão do Jacuípe. Em maio de 1951 fui transferida para a Escola
Aníbal Benévolo, em Feira de Santana e contratada para substituir o professor
de Didática Geral e Especial da Escola Normal.
Em fevereiro de 1952 casei-me. Em março
do mesmo ano, já no início da gravidez, inscrevi-me para uma Bolsa de Estudos,
com um ano de duração, no Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – INEP,
para especialização em Didática Geral, Especial e Práticas Escolares. Era
Ministro da Educação o saudoso baiano, Dr. Anísio Teixeira.
Passei nos testes, mas também passei a
primeira gravidez toda fora de casa, do marido e de Feira de Santana, num
pensionato em Salvador. Em novembro, um rebate falso de parto fez o meu médico,
Dr. Guedes de Mello, telefonar para a diretora dos cursos, pedindo o meu
afastamento, para repouso. Perguntei-lhe se podia ter a minha criança em Feira
de Santana. Com o seu consentimento viajei para Feira e no dia 21 de novembro
Márcia nasceu. Após 15 dias de parto voltei para fazer as provas finais. Não
faltou quem tomasse conta da “Inepinha” como era chamada, Márcia pelas
companheiras de pensionato.
Valeu a pena o sacrifício, pois graças à
aquisição deste diploma adquiri direito ao Nível Universitário.
Em 1954 fiz concurso para me efetivar na
Cadeira de Metodologia Geral e Especial da Escola Normal, onde eu já trabalhava
como contratada e, graças a Deus e a nossa padroeira, Senhora Sant’Ana o
resultado foi plenamente satisfatório, embora tivesse de esperar 04 anos, todo
o governo de Antonio Balbino, para ser nomeada pelo seu substituto governador
Dr. Lomanto Júnior.
A história do meu marido é bem mais
emocionante que a minha. Era um viandante fugido da seca do sertão da Bahia.
Tinha também 18 anos. Era talvez o ano de 1931 ou 1932. A seca insistia em
exterminar o gado, a plantação, tudo da fazenda dos seus pais, Jovelino e
Isabel. Eles não queriam abandonar a terra, seus pertences. Leonel, o mais
velho filho dos homens, não suportava mais ver o sofrimento da família. Juntou
seus pertences e foi para a beira da estrada, onde passavam os tropeiros, para
buscar companhia. Viajou a pé, com seus companheiros, sofrendo as peripécias da
caminhada, até chegar à cidade hospitaleira: FEIRA DE SANTANA. Dormiu com os
tropeiros e no dia seguinte, pela manhã, saiu à procura de trabalho. Logo se
deparou com a construção de uma residência. Como entendia um pouco de
marcenaria, experiência que adquirida na construção de móveis e objetos da
própria fazenda, apresentou-se como marceneiro. O dono da construção, Senhor
César Martins, perguntou-lhe:
— Como se chama?
— Leonel Carneiro Oliveira, ele
respondeu.
Sabendo que era da família dos Carneiros
e dos Oliveiras, pioneiros de Riachão do Jacuípe, não só contratou seus
serviços, como o levou para sua residência e o apresentou a sua esposa, Dona
Inês, que o acolheu e ofereceu-lhe acomodação nas dependências de sua casa.
Leonel comunicava-se com a família por
intermédio dos tropeiros. Passado algum tempo a seca acabou. Um dia recebeu da
sua mãe um pacote com espigas de milho assado e um bilhete que dizia: Volte!
Era uma demonstração de que a chuva já havia chegado e a plantação já estava
produzindo mantimentos. Não Voltou. O Senhor Martins o mandou para Ilhéus para
construir barcaças de secagem de cacau na fazenda de seu irmão. Lá passou uma
temporada. Como não tinha despesas alimentícias, juntou uma boa quantia, voltou
para Feira de Santana, comprou sua própria residência e montou sua pequena
serraria no largo onde é hoje a Praça Presidente Médice. Daí, algum tempo
depois, voltou à fazenda dos seus pais, Jovelino Carneiro de Oliveira e Isabel
e os convenceu a vender a fazenda e comprar um sítio aqui, em Feira de Santana.
Nosso relacionamento começou lá pelos
anos de 1946, nos encontros religiosos dos grupos da Ação Católica, da Igreja
Matriz de Sant’Ana. Eu pertencia à JEC, Juventude Estudantil Católica e Leonel
à HC, Homens da Ação Católica, movimentos criados pelo vigário da Paróquia,
Padre Amílcar Marques. Trabalhávamos em benefício do Dispensário de Santana, instituição
criada pelo vigário com a finalidade de distribuir cestas básicas semanais à
“Pobreza Envergonhada”, idosos que já não podiam trabalhar e tinham vergonha de
pedir esmolas para sobreviver.
Com a saída de Padre Amilcar para
Salvador, a instituição foi confiada ao Padre Mário Pessoa, vigário do Asilo
Nossa Senhora de Lourdes. Hoje, graças a excelente administração da Irmã Rosa,
essa distribuição de cestas básicas transformou-se na maior ou numa das maiores
instituições filantrópicas de Feira de Santana.
De fevereiro de 1952, época do nosso
casamento, a janeiro de 1965, época da sua passagem para a eternidade, tivemos
os nossos sete filhos: Márcia Estela, Regina Maria, Sílvio Carlos, Lourenço
Augusto, Leonel Marcos, Luiz Paulo e Eurico Gaspar, nosso tesouro, contraído
aqui, nesta terra abençoada de Sant’Ana, Feira de Santana, Princesa do Sertão.
Que Sant’Ana continue abençoando minha
família e todas as famílias. AMÉM!