quinta-feira, 23 de agosto de 2018



A Lenda da Encarnação do Boi Bumbá
(Por Regina Maria Oliveira de Macedo)

Há muito tempo atrás, na época da escravidão, em uma fazenda na Região do Rio São Francisco, havia um fazendeiro muito poderoso que tinha um boi vindo do Egito do qual gostava muito. Ele batizou o boi com o nome de Bubar.
Nessa fazenda havia um casal de escravos conhecido por todos como Pai Francisco e Mãe Catrina. Os dois eram muito queridos por todos, pois sempre estavam ajudando com suas rezas e remédios naturais todos que viviam na fazenda do Senhor João.
Aconteceu que Mãe Catrina ficou grávida. Pai Francisco estava muito contente com a notícia de que ia ter um filho sangue de seu sangue, mas aí aconteceu algo que é comum nas mulheres grávidas: O tal do desejo.
O desejo acontece sempre que o bebê necessita de uma determinada substância para seu desenvolvimento e então o organismo da mãe faz com que sinta o desejo de comer o alimento que tem a substância que o bebê precisa. Daí o desejo o dizer que se a mulher grávida não for atendida em seu desejo o bebê nasce fraco.
Pois é, Mãe Catrina teve desejo de comer língua de boi... Embora morasse em uma fazenda que tinha muitos bois, nenhum era deles. É certo que sempre o Senhor João mandava matar um boi, mas isso não ia acontecer tão cedo por ali, pois Seu João fazia tempos que estava na cidade com a mulher e os filhos e não apareciam na fazenda.  
Mãe Catrina sofria com o desejo e Pai Francisco sofria junto com ela...
Uma noite Mãe Catrina estava à janela apreciando a imensidão da fazenda sob a luz da lua, quando passou perto da sua casa justamente o Boi que tinha vindo do Egito. Era um boi gordo, grande, bonito que só ele. Mãe Catrina não tirava os olhos do Boi. Pai Francisco ficou penalizado de ver o olhar comprido e cheio de desejos da mulher. Não se aguentou; afinal era seu filho que estava pra chegar ao mundo e ele tinha que vim em paz e com saúde. Matou o boi sem nem prestar atenção que era o boi predileto do patrão. Cozinhou a língua, deu para a mulher que comeu com toda satisfação. Quando Catrina terminou de comer, Pai Francisco pegou o boi, tirou o couro, tirou a carne e repartiu com os outros escravos.
Um dos escravos ficou sem a carne pois não estava na fazenda naquele dia. Quando soube da partilha ficou  chateado e cheio de despeito...
O tempo passou; ninguém mais falava do acontecido. Até que um dia o Senhor João voltou à fazenda. Estava doido para vê seu boi. Como já era noite, combinou com os vaqueiros que no dia seguinte, logo cedo eles iriam reunir o gado para a contagem e pesagem do gado.
Os vaqueiros avisaram Pai Francisco da chegada do patrão e da intensão de reunir o gado para contagem e pesagem. Contou que o patrão estava doido para vê o boi.
Pai Francisco chamou mãe Catrina e combinaram de fugir.
Na manhã seguinte, como tinha sido combinado, os vaqueiros reuniu o gado. O patrão chegou para a contagem e logo de imediato sentiu a falta do seu boi predileto.
− Cadê o Egípcio? – Perguntou o patrão com ar preocupado.
− Que Egípcio, Patrão – Perguntou o vaqueiro desconfiado.
− Que egípcio? Como assim que Egípcio? O boi Bumbar, homem! Cadê o Boi Bumbar?
O vaqueiro respondeu de pronto:
− Sei não patrão. Tem tempo que ele tá sumido.
Acontece que o outro vaqueiro que estava na contagem era justo aquele que não tinha recebido o pedaço de carne do boi. Nesse momento ele sentiu que seria vingado...
− Sumiu não, patrão; ele foi roubado! Ah, isso foi mesmo... Foi roubado e morto por Pai Francisco, aquele desgramado!
O patrão se revoltou. Aos berros correu para a cabana de Pai Francisco e Mãe Catrina que a essas horas já tinham fugido, logo depois que soube da chegada do patrão e da sua intensão de ver o boi.
O Patrão correu ao quintal da casa e encontrou lá na armação o couro do boi, o chifre, o esqueleto e o rabo. Começou a chorar. Inconsolável e enlouquecido de tristeza reuniu o que restou do boi, levou para seu terreiro, cobriu com o couro pediu ajuda aos outros curandeiros da região, aos padres a todos que mexiam com as forças da natureza e com Deus, para que fizessem seu boi viver novamente. Chorando dizia:
− Quero meu boi Bumbar de volta... Quero o Bumbar vivoooo...
E o tempo passou... Não havia um dia que o patrão não chorasse pelo seu boi... A notícia começou a correr o mundo e chegou até a cidade onde Mãe Catrina e Pai Francisco foram morar. A essa altura o filho dos dois já havia nascido e já estava bem grandinho. Na verdade já era um rapaz muito especial:
O Filho de Mãe Catrina e Pai Francisco tinha o dom de mexer com as forças da natureza e curar pessoas e animais.

Ele tinha ido à venda comprar farinha quando escutou a história do fazendeiro que chorava, há muito tempo, a morte do Boi.
Quando escutou a história do fazendeiro que chorava por causa de seu boi, quis ir até a fazenda. Ao chegar a casa contou o caso para os pais e disse das suas intensões.
Mãe Catrina e Pai Francisco ficaram com receio e contou ao filho o que tinha acontecido quando ele estava dentro da barriga da mãe. Pai Francisco e mãe Catrina disseram que estavam arrependidos, mas temiam pela vida dele.
O rapaz bateu pé firme:
− Agora que sei disso, mais do que nunca temos que voltar para a fazenda.
− Mas, meu filho ele não irá nos perdoar... Disse Mãe Catrina temerosa.
− Isso agente só vai saber quando chegar lá. E já está mais do que na hora de agente voltar. O viajante contou que inté hoje o homem tem a carcaça do boi no terreiro e fica lá sentado na varanda da casa chorando...
Pai Francisco e Mãe Catrina ficaram penalizados com a notícia. De imediato concordaram com o filho e os três voltaram para a fazenda.
O patrão estava bem diferente de quando Pai Francisco e Mãe Catrina moravam lá. Estava magro, pálido e ainda chorando a morte do boi. Ele nem teve forças para brigar com o casal.
O rapaz olhou em volta e viu no meio do terreiro o couro do boi sobre a carcaça e o rabo balançando ao vento, tal qual o viajante descreveu. Aproximou-se do que restou do animal, pegou o rabo, olhou dentro, levou-o à boca e soprou três vezes. A cada sopro o couro se juntava à carcaça... No terceiro o boi encarnou novamente e saiu pulando e chifrando o que encontrava pela frente, todo assustado.
Quando o patrão viu seu boi vivinho de novo, ficou numa alagria tão grande que o sangue voltou a colorir suas bochechas. Todo mundo que morava na fazenda estava lá para ver o que ia acontecer. Viram o patrão feliz e ficaram felizes também e bem rápido ficaram prontos para cumprir com satisfação e ligeireza, qualquer ordem que o o patrão desse. E a ordem foi aos gritos de alegria: 
− O Egípcio está vivo! Boi Bumbá viveu de novo! Glória a Deus! Vamos fazer uma festa gente! Chamem os tocadores! Chamem os repentistas! Chamem as cozinheiras! Vamos comemorar!
E sorrindo muito, o fazendeiro remoçou, remoçou em todos os aspectos na alma e no corpo. Perdoou Pai Francisco e Mãe Catrina que voltaram a viver na fazenda junto com o filho curandeiro.
Naquele dia uma grande festa na fazenda encheu a redondeza de alegria e a partir daquela data, todos os anos se comemoravam a festa do Boi Bumbar.




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