III. A VELHA
Passou o verão, passou o outono, passou o inverno.
E chegou a primavera. E certa manhã de abril, Oriana acordou ainda mais cedo do
que era costume. Mal o primeiro raio de sol entrou na floresta ela saiu de
dentro do tronco de carvalho onde dormia, respirou fundo os perfumes da madrugada
e fez os passos de dança. Depois penteou os cabelos com os dedos das
mãos a fizerem de pente e lavou a cara com orvalho
- Que manhã tão bonita! - Disse ela
- Nunca vi uma manhã tão azul, tão verde, tão
fresca e tão doirada...! E foi pela floresta dançando e dizendo bom dia às
coisas. Primeiro acordaram as árvores; depois os galos, depois os pássaros,
depois as flores, depois os coelhos, depois os veados e as raposas. A seguir
começaram a acordar os homens. Então Oriana foi visitar a Velha.
Era uma velha muito velha que vivia numa casa
velhíssima e dentro da casa só havia trapos, moveis partidos e louças rachadas.
Oriana espreitou pela janela que não tinha vidros.
A velha estava a arrumar a casa e, enquanto trabalhava, falava sozinha dizendo:
- Que negra vida! Que negra vida! Estou tão
velha que mal tenho forças e ainda preciso trabalhar. E não tenho filhos e nem
filhas que me ajudem... Se não fossem as fadas... que seria de mim? Quando eu
era pequena brincava na floresta e os animais, as folhas e as flores brincavam
comigo a minha mãe penteava os meus cabelos e punha uma fita a enlaçar o meu
vestido. Agora se não fossem as fadas, que seria de mim?
Quando eu era nova ria o dia todo... Nos
bailes dançava sempre, sem parar tinha muito mais que cem amigos, agora
que sou velha, não tenho ninguém. Se não fossem as fadas que seria de mim?
Quando eu era nova tinha namorados que me diziam
que eu era linda... e me atiravam cravos quando eu passava. Agora os garotos
correm atrás de mim... chama-me de velha... Velha! E atiram-me pedras... Se não
fossem as fadas, que seria de mim?
Quando eu era nova tinha um palácio, vestidos de
seda, aios e lacaios. Agora estou velha... Não tenho nada... Se não fossem as
fadas, que seria de mim?
Oriana ouvia esta lamentação todas as manhãs e
todas as manhãs ficava triste; cheia de pena da velha tão curvada, tão enrugada
e tão sozinha que passava os dias inteiros a resmungar e a suspirar.
As fadas só conseguem se mostrar às crianças, aos
animais, às árvores e as flores; por isso a velha nunca via Oriana; mas embora
não a visse, sabia que ela estava ali. Pronta a ajudá-la.
Depois de ter varrido a casa, a velha acendeu o
lume e pois água a ferver. Abriu a lata de café e disse:
- Não tenho café!
Oriana tocou com sua varinha de condão na lata e a
lata encheu-se de café. A velha fez o café e depois olhou na caneca de leite e
disse:
- Não tenho leite...
Oriana tocou com a sua varinha de condão na caneca
e a caneca encheu-se de leite. A velha olhou pegou no açucareiro e disse:
- Não tenho açúcar...
Oriana tocou com a sua varinha de condão no
açucareiro e o açucareiro encheu-se de açúcar.
A velha abriu a gaveta do pão e disse;
- Não tenho pão...
Oriana tocou com a varinha de condão na gaveta e
dentro da gaveta apareceu um pão com manteiga. A velha pegou no pão e disse:
- Se não fossem as fadas, que seria de mim?
E Oriana ouvindo-a, sorriu. A
velha comeu, bebeu e no fim suspirou:
- Agora, tenho de ir ao meu trabalho.
O trabalho da velha era apanhar ramos secos que
depois ia vender à cidade. E todas as manhãs Oriana a
ajudava a apanhar os ramos e todas as manhãs a guiava até a cidade, pois a
velha via muito mal o caminho que ia da floresta até pra cidade. Passava ao
lado de grandes abismos onde a velha poderia cair se a fada não a guiasse. E assim
nessa manhã de abril, Oriana e a velha foram as duas pela estrada a
fora. A velha toda curvada encostada a um pau e Oriana voando no ar como uma
borboleta. E sem que a velha a visse a fada segurava o feixe de lenha para que
ele pesasse menos sobre as costas dobradas.
Quando chegaram à cidade a velha foi de porta em
porta vender a lenha e Oriana voou por cima de um teatro onde sentou a ver a
cidade à espera da sua amiga. Enquanto esperava,começou a conversar com as
andorinhas:
- Os países distantes são maravilhosos - Diziam
as andorinhas.
- Contem, Contem - Pediu Oriana.
- O rei do Sião tem um palácio com o telhado
de ouro; e na China há torres de porcelana. - Disse uma andorinha.
- Na Oceania há ilhas de coral cobertas de
relva e palmeiras. E nessas ilhas as pessoas se vestem com flores e são todas
bonitas, boas e felizes. - Disse outra andorinha
- Os cangurus têm uma algibeira para guardar
os filhos e o rei do Tibete sabe ler o pensamento de todos os
homens. - Disse outra andorinha.
- No alto das montanhas dos Andes há cidades
abandonadas onde só vivem arrias e serpentes - Disse outra
andorinha
- Que maravilha! Contem, Contem
tudo! - Pediu Oriana
- Não se pode contar tudo.- Responderam
as andorinhas - As maravilhas do mundo são tantas... tantas... mas vem
conosco Oriana. Quando vier o outono nós partimos. Tu também tens duas asas,
vem conosco!
Mas Oriana olhou o vasto do céu tonto e
transparente, suspirou e respondeu:
- Não posso ir... Os homens, os animais e as
plantas da floresta precisam de mim.
- Mas tu tens duas asas Oriana, podes voar por
cima dos oceanos e das montanhas. Podes ir ao outro lado do mundo. Há sempre
mais e mais espaço. Imaginas como seria bom se viesses. Podias voar muito alto
por cima das nuvens ou podias voar rente ao mar azul mergulhando a ponta de
teus pés na água fria das ondas. E podias voar por cima das florestas virgens
e respirar o perfume das flores e dos frutos desconhecidos. Virias
estirados os montes, os rios, os desertos e os oásis. No meio dos oceanos há
ilhas pequeninas com praias de areia branca e fina. Ali, nas noites de luar
tudo fica azul parado e prateado. Imagina essas coisas Oriana...
Mas Oriana olhando o alto do céu e as nuvens
vagabundas, suspirou e disse:
- Imagina o que seria da velha sem mim...
Quando ela acordasse em uma manhã fria de inverno e não encontrasse nem o pão e
nem o leite?!
- Vem conosco Oriana! - Tornaram a
pedir as andorinhas.
- Eu prometi tomar conta da
floresta - Respondeu a fada. - E uma promessa é uma coisa
muito importante...
Então as andorinhas fitaram-na com os olhos duros
pretos e brilhantes e com ar severo disseram:
- Oriana, não mereces ter asas! Tu não amas o
espaço e desprezas a liberdade!
Oriana abaixou a cabeça e respondeu:
- Eu fiz uma promessa!
As andorinhas viraram-lhe as costas e não fizeram
mais caso dela.
Mal a velha acabou de vender sua lenha saiu da
cidade acompanhada da fada e voltaram as duas para a floresta. Quando lá
chegaram era quase meio dia. Oriana separou-se da velha e foi à casa do
lenhador.
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