XII. A ÁRVORE E OS
ANIMAIS
Quando lá chegou nascia o dia. A madrugada estava
branca de névoa. Era a hora em que os pássaros acordam e começam a cantar. Mas
os pássaros tinham fugido para os montes e ninguém cantava.
- Que silêncio! Que silêncio! – murmurava
Oriana. – Vê-se bem que os meus amigos pássaros fugiram. Ai como eu estou
sozinha!
Ai como eu estou cansada! Não sei para onde hei de
ir e não posso dar mais um passo.
E dizendo isto Oriana encostou a cabeça ao tronco
de uma árvore e começou a chorar.
Era um tronco forte, áspero, negro. E Oriana
rodeou-o com os seus braços e colou a cara à casca rugosa. Então a árvore
baixou-se e, com os seus ramos, pegou nela ao colo. Cobriu-a com a sua folhagem
e pôs duas folhas sobre os seus olhos. E
Oriana adormeceu.
Era manhã alta quando acordou. Mil raios de sol
atravessavam a floresta. Oriana viu o céu azul através das folhas verdes.
Espreguiçou-se, respirando fundo os perfumes da
terra.
Sentiu-se cheia de alegria por tudo ser tão bonito.
E disse:
- Que linda manhã!
Mas de repente lembrou-se do dia da véspera.
Lembrou-se do lenhador, da moleira e do Poeta.
Pensou:
“Tenho de encontrar um remédio. Com certeza que há
um remédio.
Tem de haver um remédio. Mas o que é que hei-de
fazer?”
E, pondo o cotovelo no joelho e o queixo na mão,
Oriana pôs-se a pensar. Até que exclamou:
- Vou procurar o filho do moleiro. Os animais
que foram para os montes devem saber onde ele está. Vou pedir que me digam como
é que o hei-de encontrar. E vou-lhes pedir também que venham comigo à cidade
ajudar-me a soltar o lenhador. E talvez que a raposa, que é tão inteligente,
consiga convencer o Poeta de que eu sou uma fada.
E, radiante com a sua ideia, Oriana faz um passo de
dança.
Depois voltou-se para a árvore e disse:
- Obrigada, árvore. Apesar de eu já não ter
asas, tu viste que eu era uma fada. Quanto eu cheguei ao pé de ti vinha triste
e cansada, mas tu deste-me a tua paz e cobriste-me com as tuas folhas. E agora
eu vou procurar o filho do moleiro. Ontem eu chorava e julgava que não podia salvar
os meus amigos e que não havia remédio para a minha tristeza. Mas tu cobriste
os meus olhos com as tuas folhas e enquanto eu dormia a minha tristeza
desfez-se.
Esta manhã é tão verde e tão azul! E eu estou tão
contente porque tenho a certeza de que há um remédio!
Oriana despediu-se da árvore e foi a caminho dos
montes.
Os montes eram longe e estavam todos azuis.
Oriana andou, andou.
E pensava:
- Que difícil que é a vida dos homens, porque
não têm asas!
E andou, andou, andou.
Ao pôr do Sol os montes ficaram escuros contra o
céu vermelho.
E veio a noite e o luar caiu sobre os campos.
Oriana procurou uma árvore para dormir, porque as
fadas só podem dormir nas árvores.
E encontrou um pinheiro.
Durante a noite o pinheiro dizia:
- Quando passa o vento imagino que sou um
mastro.
Logo de madrugada Oriana pôs-se a caminho.
Chegou ao alto dos montes e chamou todos os
animais.
E disse-lhes:
- Sou a fada Oriana.
Eles disseram:
- Mas onde é que estão as tuas asas e a tua
varinha de condão?
Oriana contou-lhes a sua história e perguntou:
- Sabem onde é que está o filho do moleiro? -
Está aqui disse o veado, que apareceu detrás de um penedo com o filho do
moleiro às costas.
- Damo, - disse Oriana - eu quero levá-lo à
mãe dele.
- Uma fada sem asas - disse o veado - é uma
coisa muito esquisita.
Não te posso entregar uma criança, porque uma
criança é uma coisa sagrada. Não posso entregar uma criança a quem diz que é
uma fada, mas não pode mostrar as suas asas.
- Eu sou uma fada, - disse Oriana - mas não
posso provar que sou uma fada.
- Apresenta testemunhas – disse o coelho.
- De qualquer maneira – disse a raposa – não
podemos ter confiança nela. Por um lado, não tem asas e por isso não parece uma
fada. Por outro lado, mesmo que seja a fada Oriana, não podemos ter confiança
nela. Porque a fada Oriana abandonou-nos, faltou à sua promessa e atraiçoou a
sua palavra.
- Eu faltei à minha promessa, mas estou muito
arrependida disse Oriana. – Há três dias que estou sempre a chorar.
- Apresenta uma testemunha – disse o veado.
- O peixe – disse a fada – assistiu a tudo.
Ele é que teve a culpa de eu me ter esquecido dos homens, dos animais e das
plantas que vivem na floresta. Ele viu a Rainha das Fadas levantar a mão no ar
e ouviu-a dizer que eu ia perder as minhas asas. Ele viu o vento que levou as
minhas asas!
- Se o peixe disser que viu as tuas asas
desaparecerem, levadas pelo vento, e que foi a Rainha das Fadas que te
castigou, e que tu és a fada Oriana, nós acreditamos em ti – disse o
porco-espinho.
- E se todos acreditarem em ti – disse o veado
– eu entrego-te o filho do moleiro para o levares à mãe dele.
- Vou procurar o peixe – disse Oriana. –
Amanhã ao meio-dia venham ter comigo à beira do rio.
- Amanhã - disseram todos os animais - vamos
ter contigo à beira do rio.
- Até amanhã – disse Oriana.
E pôs-se outra vez a caminho.
Andou, andou, andou.
E no dia seguinte, mal nasceu o dia, Oriana estava
debruçada sobre o rio, chamando:
- Peixe, peixe, peixe, meu amigo!
Apareceu o peixe.
- Bom dia, Oriana - disse ele, com ar mal
disposto. - Estás muito mal penteada.
- Não tenho tempo para me pentear – disse
Oriana.
- Há coisas muito mais importantes do que
estar bem penteada. Tenho de salvar todos os homens, os animais e as plantas
que vivem na floresta. Tenho de desfazer o mal que fiz. Eu vi a tristeza da
mulher do moleiro, e vi a miséria do lenhador, e a solidão do Poeta. Quero
tornar a ser boa. Quero ajudar os outros. Diz aos animais que tu sabes que eu
sou uma fada.
- Oriana, – respondeu o peixe – eu sou muito
teu amigo, mas realmente não posso deixar de ter respeito pela Rainha das
Fadas. A Rainha das Fadas está muito zangada
contigo porque tu te portaste muito mal.
- Foi tua a culpa – disse Oriana.
- Perdão, – disse o peixe – não foi minha a
culpa. Eu não sabia que tu tinhas feito uma promessa de tomar conta dos homens,
dos animais e das plantas que vivem na floresta. Não tenho nada a ver com o
assunto.
- Não vale a pena discutir – disse Oriana. –
Só te quero pedir isto: como eu não tenho asas, os animais não acreditam que eu
seja uma fada. Dizem que as fadas têm sempre asas. Eu quero que tu lhes digas
que viste a Rainha das Fadas tirar-me as asas e que sabes que eu sou a fada
Oriana.
- Está claro – disse o peixe – que eu sei que
tu és a fada Oriana. Mas essa história dos animais não me diz respeito.
- Peixe, – disse Oriana – no dia em que eu te
salvei tu disseste:
“Quando quiseres vem ao rio e chama por mim.
Pede-me tudo quanto quiseres.” E por isso agora eu peço: diz aos animais que eu
sou a fada Oriana.
- Sabes, – disse o peixe – quando uma pessoa
nos atira à cara o favor que nos fez perde o direito à nossa gratidão.
Oriana ficou muito corada, sem saber o que havia de
responder.
Apeteceu-lhe cuspir naquele peixe importante e
covarde. Mas lembrou-se do lenhador, que estava na prisão, da mulher do
moleiro, que não sabia do filho, e do Poeta, que já não acreditava em fadas. E
resolveu ter paciência. Disse:
- Peixe, eu peço-te que digas aos animais que
eu sou a fada Oriana.
- Está bem - disse o peixe. - Eu não quero ser
ingrato. Quando chegarem os animais, chama por mim.
- Obrigada, obrigada, obrigada! – disse
Oriana.
- Até já - disse o peixe, com um ar
cerimonioso e bem-educado.
E desapareceu.
Oriana pôs-se à espera dos animais. O Sol foi
subindo no céu.
Até que chegou o meio-dia. E ao meio-dia apareceram
os animais.
Vinham todos em bicha, com um ar muito sério. À
frente vinha o lobo. No fim vinha o veado, que trazia às costas o filho do
moleiro.
- Bom dia – disse Oriana.
- Bom dia - responderam os animais. – Onde
está a tua testemunha?
- Vem já – disse a fada. – Está à espera do
meu chamamento.
E, ajoelhando-se à beira do rio, Oriana chamou:
- Peixe, peixe, peixe, meu amigo!
O peixe não apareceu.
Oriana tornou a chamar:
- Peixe, peixe, peixe, meu amigo!
E o peixe não apareceu.
- Então o peixe? – perguntaram os animais.
- Ainda não teve tempo de chegar – respondeu a
fada.
E tornou a chamar:
- Peixe, peixe, peixe, meu amigo!
Mas o peixe não apareceu.
- Está atrasado – disse Oriana.
- Muito – disse o porco, que era
pontualíssimo, - já passa do meio-dia.
- Vamos esperar – disse o veado.
E puseram-se à espera.
De vez em quando Oriana chamava:
- Peixe, peixe, peixe, meu amigo!
Mas o peixe não aparecia.
O Sol começou a passar para o outro lado do rio.
Os animais começaram a zangar-se. Oriana estava aflita
e envergonhada.
- Afinal o peixe não aparece? – perguntou um
coelho.
- Não aparece – concluíram todos.
- Deve ter-lhe acontecido alguma coisa – disse
Oriana
- ele prometeu que vinha servir de minha
testemunha.
- Mas não veio – disse a raposa.
Oriana começou a chorar e disse:
- Talvez alguém o tenha pescado.
Alguns animais começaram a rir, outros zangaram-se.
- Disseste que o peixe vinha ser tua
testemunha, e o peixe não apareceu - gritou-lhe o lobo.
- Disseste que eras uma fada e não tens asas –
resmungou o porco.
- E também não tens varinha de condão –
acrescentou a raposa.
- Não tem testemunha, e não é fada - gritaram
os animais todos. – Vamos embora.
- Eu sou uma fada – disse Oriana.
- Mentes! – gritaram os animais.
- Não minto – disse Oriana.
E voltando-se para o veado, com a cara cheia de
lágrimas, Oriana pediu:
- Dá-me o filho do moleiro! Acredita em mim.
Eu sou uma fada.
- Não – respondeu o veado. – Eu não acredito
em ti.
- Vamos embora – disse o lobo.
Oriana ficou sozinha. E chorando, dizia:
- Peixe, peixe, peixe covarde! Passaste dias e
dias a dizer-me que eu era linda e agora eu chamo por ti e não apareces. Peixe
ingrato, mentiroso e covarde! Salvei-te a vida e agora não me ajudas. Estou
sozinha, sozinha! Quem há-me de ajudar!
Então ouviu atrás de si um barulho. Calou-se e
escutou. E uma voz doce, meiga e ondulada chamou:
- Oriana.
Oriana voltou-se e viu ao seu lado uma fada muito
bonita, que a olhava sorrindo. Os seus olhos eram pretos e brilhantes, os seus
cabelos eram iguais a serpentes azuis-escuras, as suas asas eram de mil cores,
como as asas das borboletas. E trazia na mão esquerda outras duas asas.
- Oriana, – disse ela – queres tornar a ter
asas?
- Quero, quero – disse Oriana.
- Estas asas que trago na minha mão esquerda
são para ti.
- Para mim? - repetiu Oriana, que nem
acreditava no que ouvia.
- Sim.
- Dá-me as depressa, depressa! – pediu Oriana,
tremendo.
- Primeiro tens de fazer uma promessa.
- Que promessa? – perguntou Oriana.
Então a fada de cabelos pretos sorriu e disse:
- Eu sou a Rainha das Fadas Más. Se queres que
eu te dê estas asas, tens de prometer que de hoje em diante passarás a cumprir
as minhas ordens.
- E quais são as tuas ordens? – perguntou
Oriana
- As minhas ordens – disse a Rainha das Fadas
Más – são estas:
“Sujar a água das fontes”.
“Pôr teias de aranha em cima das flores”.
“Fazer secar as sementes que estão na terra a
germinar”.
“Roubar a voz dos rouxinóis”. “Azedar o vinho”.
“Roubar o dinheiro dos pobres”. “Empurrar as
crianças”. “Apagar o lume dos velhos”. “Roubar o perfume das rosas”. “Atormentar
os animais”. “Desencantar o mundo.”
- Não! Não! Não! - disse Oriana, recuando com
horror.
- Eu não quero fazer essas coisas.
- Se não prometes fazer estas coisas, não te
dou estas asas disse a fada dos cabelos pretos.
- Antes quero não ter asas.
- Sem asas não podes ser uma fada.
- Antes quero não ser uma fada.
- Pensa bem, Oriana: estas asas têm mil cores,
como as das borboletas, e com elas poderás voar no ar, em vez de andares com
tanto custo, passo a passo, sobre a terra, rasgando os teus pés nas pedras dos
caminhos.
- Antes quero ser boa – disse Oriana. - Quero
ser boa, mesmo que por isso não possa ter asas.
- Que pena que eu tenho de ti, Oriana! –
disse, rindo, a fada má. – Tu fazes tudo de pernas para o ar: primeiro perdeste
as tuas asas por causa dos elogios de um peixe. E agora eu trago-te duas asas
iguais às das borboletas e tu não as queres. Tenho dó de ti, Oriana: és tonta e
pateta e não sabes escolher.
E a fada dos cabelos pretos desapareceu a rir.
Oriana ficou sozinha e pensava:
- Nunca, nunca mais terei asas. Porque me
enganei, perdi as minhas asas azuis. Porque não quis ser má, perdi as asas
iguais às asas das borboletas. Agora é como se eu não fosse uma fada. Ninguém
nunca mais acreditará que sou uma fada. Talvez eu própria até me esqueça de que
sou uma fada. Tenho de viver como se fosse uma rapariga como as outras. Nunca
mais poderei voar por cima dos caminhos cheios de pedras. Tenho de caminhar
passo a passo pelos caminhos cheios de pedras, como as outras raparigas. Mas posso,
ao menos, ser boa. Posso ir para a cidade e ajudar os outros. Tenho de ir para
a cidade, porque é lá que a vida dos homens é mais difícil.
E Oriana pôs-se a caminho da cidade.
oiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
ResponderExcluiroiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
Excluiroiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
ResponderExcluiroiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
ResponderExcluir