X. A Floresta Abandonada
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stava tudo muito quieto e muito
calado. A floresta parecia despovoada. Não se ouvia pássaros. Não havia nenhuma
flor. Mas havia muitos cogumelos venenosos. E Oriana chamou:
- Pássaros, esquilos, veados,
corsas, coelhos, lebres!
Então ouviu um barulho no chão e,
pequenina e preta, a víbora apareceu.
- Bom dia! – Disse a víbora.
- Bom dia, víbora – respondeu
Oriana – onde estão os outros animais?
- Foram-se todos embora para os
montes. Como a fada Oriana os abandonou e não tinha ninguém para os proteger
dos tiros dos caçadores, eles tiveram que fugir para muito longe. Só ficaram os
ratos, as víboras, as formigas, os mosquitos e as aranhas.
- Ah! – disse Oriana, corando de
vergonha.
E perguntou:
- Sabes quem eu sou?
- Não. – disse a víbora. – vejo
só que és uma menina muito bonita.
- Não sou uma menina bonita. Sou
uma fada, sou a fada Oriana.
- Ah! Mas que esquisito! Onde é
que estão as tuas asas? Nunca ninguém viu uma fada sem asas.
- Agora não tenho asas, mas
daqui a dias vou voltar a tê-las. É uma história que não ti posso contar.
- Eu, como ando sempre metida
debaixo da terra, nunca te tinha visto, mas já tinha ouvido falar de ti.
- Sim? O que disseram de mim?
- Contaram-me que dantes eras
muito boa e tomavas conta da floresta, mas um dia abandonaste os teus amigos
todos porque te apaixonaste por um peixe.
- Isso é mentira – disse Oriana
furiosa. – Nunca me apaixonei pelo peixe. Que história tão estúpida!
- pois fica sabendo que é isso o
que se diz. Até contam que tu passavas horas e horas debruçada sobre o rio a
fazer penteados e a enfeitar-te com flores só para o peixe te dizer que estavas
muito bonita.
- Mas eu nunca me apaixonei pelo
peixe. Eu passava horas ao pé do rio porque gostava de me ver no rio.
- Talvez seja como dizes. Mas o
peixe contou aos outros peixes, que contaram aos pássaros, que contaram aos
coelhos, que contaram às víboras, que tu estavas louca de amor por ele e que só
pensavas em te enfeitares para que ele te achasse bonita.
Oriana estava indignada. Sentia-se
ridícula. Olhou para a víbora e lhe disse:
- Isso é uma mentira muito
estúpida. Uma fada não pode se apaixonar por um peixe. Essa história é má-língua.
É a célebre má-língua das víboras.
E, virando as costas, Oriana seguiu o
seu caminho, mas enquanto se afastava ouviu o riso mau e sibilante da víbora:
- sssssssssssssss...
Ao fim de muito andar chegou à casa
do moleiro. A porta estava aberta. Lá dentro estava tudo na maior desordem: as
gavetas e os armários abertos e vazios, o chão e os móveis cobertos de poeira,
e havia por todos os lados coisas partidas. A casa parecia ter sido abandonada
há muito tempo. O lume estava apagado, os quartos cheios de teias de aranha.
Oriana pegou numa vassoura e num trapo e começou a varrer e a limpar a casa.
Então ouviu um ruído e uma voz que a chamou:
- Oriana!
Era um rato.
- Oriana, não vale a pena
arrumar a casa. Já não vive aqui ninguém senão eu. O moleiro, a moleira e os
seus filhos foram viver na cidade.
- Ah! Mas por quê? – perguntou
Oriana.
- Um dia desapareceu um dos
filhos mais novos, aquele que tem caracóis pretos e que tem quatro anos. O
moleiro e a moleira procuraram-no durante nove dias pela floresta toda sem o
encontrar, e ao fim de nove dias o moleiro disse:
- O nosso filho perdeu-se na
floresta, ou foi comido pelos lobos, ou caiu no rio, que o levou afogado para
longe. Não vale a pena procurá-lo mais. Vamo-nos embora da floresta antes que
torne a acontecer outro desastre.
- Há muito tempo que eu sentia
que ia acontecer uma coisa má – disse a moleira. – Ultimamente tudo me corria
torto. Quando eu chegava a casa encontrava tudo desarrumado.
Os meus filhos estavam sempre a cair
ao rio e voltavam sempre para casa sujos, rotos e cheios de feridas. Vamos
depressa embora da floresta.
E depois desta conversa o moleiro e a
mulher fizeram as malas e as trouxas, puseram tudo numa carroça e foram com os
filhos para a cidade. Por isso não vale a pena arrumar a casa.
- Foi tudo por minha culpa, –
suspirou Oriana – fui eu que os abandonei. Os filhos do moleiro caíram ao rio e
voltavam para casa sujos, rotos e feridos porque eu não tomava conta
deles. Até que um se perdeu. Ai como é que eu hei de desfazer o mal que fiz?
E dizendo isto Oriana pôs-se a chorar
ao pé do lume apagado.
- É uma grande tristeza – disse
o rato – E foi realmente tua a culpa.
Oriana pegou na vassoura, dizendo:
- Apesar de tudo, vou acabar de
arrumar e limpar a casa.
Quando chegou ao fim das limpezas, a
fada despediu-se do rato e foi outra vez pela floresta fora. Pelo caminho havia
pedras que lhe magoavam os pés e tojos e matos que picavam. Quando ela tinha
asas, voava por cima dos cominhos maus e só pousava no chão os seus pés quando
o chão estava coberto de musgo, de relva macia ou de areia fina.
“Que difícil que é a vida dos
homens”, pensou ela. “Eles não têm asas para voar por cima das coisas más”.
Andando, oriana chegou à cabana do lenhador. Também ali o lume estava apagado,
o chão coberto de pó.
A cama, a mesa e os bancos tinham
desaparecido. Então Oriana ajoelhou-se ao pé do lume apagado e chorou. E ouviu
uma voz dizer:
- Oriana, que é feito das tuas
asas?
Era uma formiga.
- A Rainha das Fadas tirou-me as
minhas asas porque eu faltei à promessa que lhe fiz.
- Foi um castigo justo porque tu
esqueceste e abandonaste os teus amigos. Vê o que aconteceu nesta cabana. O
lenhador e a mulher eram muito pobres. Mas todas as manhãs tu aqui entravas com
três pedrinhas brancas. E transformava as pedras em dinheiro, em roupa e em
pão. Até que houve uma manhã em que tu não vieste. E daí em diante passou a
haver fome, frio e meséria nesta cabana. E um dia o lenhador disse à mulher:
- “Não podemos continuar a viver
com tanta miséria. Vamos para a cidade procurar trabalho”.
E fizeram uma trouxa com os seus
trapos e pegaram nos móveis às costas e com o filho pela mão partiram para a
cidade. Iam tristes e choraram muito quando se despediram desta cabana, onde
eram felizes, no tempo em que tu todos os dias os visitavas com três pedras
brancas.
- Ai, formiga – disse Oriana,
soluçando –, como é que eu hei-de desfazer todo mal que fiz? Só agora é que eu
compreendo como a floresta precisa de mim.
- Não sei que conselho te
hei-de-dar – respondeu a formiga. – Mas já que estás arrependida de nos teres
abandonado, já que queres voltar a ajudar os homens, os animais e as plantas,
faz-me um favor.
- O que é? – perguntou Oriana,
limpando as lágrimas.
- Pega numa pedra branca e
transforma-a numa pedra de açúcar.
- Ai, formiga! – disse Oriana. –
Já não tenho varinha de condão. Não posso fazer o que me pedes. Já não sirvo
nem para ajudar uma formiga.
- Então se não me podes ajudar,
adeus, Oriana. Tenho muito o que fazer.
E, com um ar muito atarefado, a
formiga foi-se embora.
Oriana suspirou, levantou-se e saiu
da cabana.
Cá fora já anoitecia. A fada pôs-se a
caminho da torre do Poeta. A torre ficava longe e o caminho era selvagem, cheio
de picos e de pedras. Oriana caminhava cortando a cada instante os seus pés.
Não se ouvia cantar nenhum pássaro, não se via correr nenhum coelho, não se via
aparecer nenhum veado com seu ar majestoso e os olhos humidos de doçura. Em
toda a floresta pairava o silêncio, o abandono, a solidão. Quando Oriana chegou
à torre, era já noite fechada. E ela levava os pés em sangue e o coração
pesado.
A porta da torre estava aberta.
Oriana entrou, subiu as escadas, pensando:
- O Poeta vai me consolar,
vai-me dizer o que hei de fazer. Ele vai encostar a minha cabeça ao seu ombro
para que eu possa chorar, chorar até que a minha solidão se desfaça.
Oriana abriu a porta do quarto do
Poeta. E viu que o quarto estava vazio. Os papéis que dantes cobriam os móveis
e o chão tinham desaparecido. Mas a lareira apagada estava cheia de cinza de
papéis queimados. E o vento, que entrava pela janela, espalhava as cinzas.
Estava tudo coberto de cinza.
Oriana atravessou o quarto e os seus
pés feridos deixaram pegadas vermelhas de sangue sobre a cinza macia e branca.
E ela ajoelhou-se em frente dos papéis queimados e, com a cara coberta de
lágrimas, disse:
- Vim à procura do meu amigo e
não o encontrei. Oh, como é que poderei desfazer o mal que fiz! Eu quebrei a
felicidade dos homens, dos animais e das coisas. Eu esqueci a minha palavra e
abandonei a minha promessa. Agora só encontro lumes apagados, casas vazias e
cinza.
Então uma aranha desceu do teto,
agarrada ao seu fio brilhante, e perguntou:
- És a fada Oriana?
- Sei que sou Oriana, mas já não
sei se sou fada. Faltei à minha promessa e a Rainha das Fadas castigou-me: o vento
levou as minhas asas e a minha varinha de condão transformou-se em poeira.
- É um castigo justo – disse a
aranha, - porque tu abandonaste os teus amigos. Ouve o que aconteceu nesta
casa: uma noite tu não vieste. E no dia seguinte, mal caiu a noite, o Poeta
encostou-se à janela à tua espera. E quando uma folha mexia, quando um ramo
seco estalava ou quando a brisa fazia dançar as ervas, ele dizia: “É
Oriana”. Mas não eras tu. Tu nunca mais voltaste. E ele esperou noites e
noites sem fim. Sem ler, sem escrever, sem fazer nada.
Passeava pelo quarto e falava
sozinho. Até que uma noite, quando cantou o primeiro galo da madrugada, ele
disse:
- “Oriana mentiu. Ela tinha-me
dito: “Nunca, nunca te hei-de abandonar”. Mas eu tenho esperado, esperado,
esperado. As noites têm passado devagar, uma por uma. Oriana já não aparece.
O mundo está desencantado. Quero ir
para a cidade e quero tornar-me igual aos outros homens.
Quero tornar-me igual aos homens que
não acreditam em encantos e que não escrevem versos. Vou queimar todos os meus
livros e papéis”.
- E depois de ter dito isto fez
um grande fogo na lareira com os livros e papéis onde estavam escritos os seus
versos.
Ficou sentado a ver arder o lume e o
reflexo da chama dançava na sua cara pálida e triste. E quando tudo se desfez
em cinza, ele levantou-se e partiu para a cidade. E eu vi-o desaparecer na luz
fria da madrugada.
- Foi minha a culpa - disse
Oriana. - Como é que eu agora poderei fazer renascer os seus versos da cinza?
Como é que eu hei-de fazer que a alegria e a amizade do meu amigo renasçam
desta cinza? Ai, como o peixe me iludiu e me enganou com os seus elogios! Eu
quero desfazer o mal que fiz. Irei à cidade buscar os meus amigos homens; irei
aos montes buscar os meus amigos animais.
E, levantando-se do chão, Oriana
despediu-se da aranha e partiu para a cidade. Atravessou outra vez a floresta,
ferindo os seus pés nas pedras e rasgando-se nos tojos. Passou pelo caminho
cheio de abismos e, quando era meio-dia, chegou à cidade.
que remumo nao me ajuudou
ResponderExcluirEstive-se atento (a)
ExcluirMe ajudou muito.
ResponderExcluirMil obrigadas :)
Ajudou_me muito a fazer 1 ficha ! Muito obrigada !
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