VI. O Homem Muito
Rico
O Homem muito
rico não tinha nem mulher, nem filhos e nem amigos. Só tinha criados. A casa
dele ficava em meio a um jardim muito bem tratado: Relva, arbustos,
flores e ruas de areia. Oriana deu a volta a casa para
ver por onde havia de entrar. As portas estavam todas fechadas a chave e Oriana
não as podiam abrir. Porque na casa do homem muito rico as fechaduras eram tão
caras que nem uma varinha de condão as podia abrir.
Mas havia uma janela aberta. Era a janela da sala.
Oriana espreitou e viu que na sala não estava pessoa nenhuma. Só lá estavam as
coisas. Mas reinava uma atmosfera de grande má disposição. Os sofás e as
cadeiras davam cotoveladas uns aos outros. As cômodas davam coices nas paredes.
As jarras diziam as caixas e aos cinzeiros que não as apertassem. E as flores
diziam:
- Não posso mais, não posso mais... Falta-me o
ar...!
A sala estava cheia como um ovo. Oriana entrou e as
coisas puseram-se a falar ao mesmo tempo:
- Oriana, Oriana! Tire-nos
daqui!- Gritavam as flores.
- Oriana, diz a jarra que não me
empurre! - pediu a caixa.
- Oriana, diz a mesa que não pise com tanta força! - pediu
o tapete.
- Oriana, diz ao sofá que não me dê
cotoveladas! - pediu a cadeira.
- Oriana, diz ao biombo que chegue para
lá! - Pediu a parede.
- Oriana! - Pediu o
espelho - tire-me daqui! Estou sempre a ver, vejo tudo... Esta sala
está cheia coisas! Esta sala sem espaços, sem vazios... Sem largueza... Que
assim magoa os meus olhos de vidro...!
- Sosseguem, acalmem-se; não falem todos ao
mesmo tempo. - Pediu a fada.
Então as coisas calaram-se todas e depois a mesa
disse;
- Oriana, não podemos estar aqui! Não cabemos
nesta sala! Nesta sala há coisas demais. Estamos todos
apertadíssimos... E somos coisas com feitios diferentes e não nos entendemos
muito bem. Eu sou uma mesa antiquíssima. Estava na sala de jantar de um
convento... Eu sou comprida, mas a sala de lá era grande e eu cabia lá bem
porque, além de mim, Só lá estavam os bancos. E aqui me sinto muito mal. As
coisas estão sempre a dar-me encontrões... há uma grande imbirração entre mim e
o sofá dourado: Eu sou toda lisa e ele é todo feito de torcidos. Não nos
podemos entender. Eu sou uma mesa de convento, fiz votos de pobreza... Não
posso viver nesta sala! Oriana, toca-me com a tua varinha de condão e faz-me ir
pelos ares para ver o meu convento.
Depois falou a cômoda:
- Eu sou uma cômoda, muito bonita e muito
antiga. Durante dois séculos morei no solar de uma quinta. Estava em uma sala
muito grande e quem entrava via logo que eu era muito bonita... Durante o dia
eu ouvia as vozes das crianças rindo no jardim e as ouvia a correr umas atrás
das outras pelo corredor. A noite ouvia só o cantar do vento, das
rãs e o correr da fonte no jardim. Nos dias de festa acendiam-se muitas luzes
no jardim. As pessoas passavam ao meu lado e diziam: “Ó, que cômoda tão
bonita”! E o dono da casa respondia: “Foi meu pai quem mandou
fazer”. E daí a outras dezenas de anos, havia outro dono da casa que respondia:
“Foi o meu avô quem mandou fazer”. Passaram-se mais dezenas de anos e outro
dono da casa que respondia: “foi meu bisavô que a mandou fazer”. Tornaram-se a
passar mais dezenas de anos e vinha um outro dono da casa que respondia: foi
meu trisavô quem mandou fazer. Porque eu ia de geração em geração e conhecia os
pais, os filhos, os netos e os netos dos netos. Eu era uma pessoa da família.
Quando fui vendida todos choraram. As lágrimas das árvores caiam gota a gota no
chão e as suas folhas faziam-me sinais de adeus. Aqui é diferente. Quando
alguém de fora diz que sou bonita, o dono da casa diz; Comprei-a por cem
contos. Oriana, leva-me daqui! Leva-me outra vez para a sala do solar da
quinta!
Depois falou o espelho:
- Eu estava num palácio e em frente de mim
havia espaço, espaço e espaço. E o chão era de
mármore liso e brilhante. E eu estava no fundo de uma galeria
silenciosa e solitária. E contemplava o mudar das horas do dia. Vi
os reis e as rainhas pálidos no dia da coroação, com suas coroas cintilantes e
pesadas. Vi os ministros, os conselheiros, e os homens importantes com seu
nariz comprido, a sua cara de caso e o seu ar solicito. E vi as namoradas de
vestido branco que nas noites de bailes fugiam um instante para a galeria
solitária. Elas deslizavam rápidas e leves negando sempre a flor que lhes
pediam. E vi as multidões das revoluções que passavam, desesperadamente,
partindo tudo, à procura de justiça. Vi, vi, vi.
Eu sou um espelho; passei toda a minha vida a ver.
As imagens entraram todas dentro de mim. Vi, vi, vi. E agora estou nesta sala
onde não há um lugar onde os meus olhos de vidro descansem. Oriana, tira-me
daqui e põe-me em frente de uma parede branca, nua e lisa.
E por uma todas as coisas foram pedindo que as
levasse para outro sitio.
- Minhas queridas coisas - disse
Oriana -, eu não poso fazer o que me pedem. Se eu as fizesse desaparecer
daqui, o dono da casa teria um grande desgosto. E eu não posso entrar numa casa
para dar desgosto ao seu dono.
- Então, o que se há de
fazer? - Perguntaram as coisas.
- Nada - disse
Oriana. - nesta sala tudo tem um ar irremediável. Quando entro nas
outras casas, faço aparecer as coisas que faltam. Mas aqui não falta nada. Aqui
está tudo a mais. Era preciso tirar coisas. Mas eu não posso entrar em uma casa
e tirar o que lá está.
- Então, se não podes tirar daqui faz crescer
a sala para nós cabermos.
- Tenho muita pena - disse
Oriana - mas é impossível. Quando o dono desta casa a mandou fazer
disse ao arquiteto: “Faça-me uma casa pequena, por causa das invejas”.
As coisas calaram-se um instante, pensaram e
disseram:
- Oriana, convence o dono da casa a dar-nos de
presente a alguém que não tenha móveis.
- Isso! - disse Oriana - é
uma ótima idéia. Já sei o que vou fazer.
Em cima da mesa estava um bloco de papel e uma
caneta. Oriana pegou na caneta e escreveu:
“Quem dá aos pobres empresta a Deus. Dá metade dos
teus móveis aos pobres”.
- ótimo! – Disseram as coisas.
- Oriana - disse o
espelho - peço-te que tires da minha frente aquela bailarina de Saxe.
Estou farto de a ver o dia inteiro sempre com o pé no ar em posição
de desequilíbrio. Os meus olhos de vidro não têm pálpebras. Só as noites são as
minhas pálpebras. Mas durante o dia nunca posso fechar os olhos. E estou
cansadíssimo de passar os dias a ver uma bailarina com o pé no ar.
A bailarina estava numa prateleira em frente do
espelho. Oriana pegou nela e pô-la no outro lado da sala, em cima da cômoda, de
maneira a que o espelho não a visse.
- Obrigado - Disse o espelho.
Então ouviram-se passos no corredor e Oriana
escondeu-se atrás do biombo.
A porta abriu-se e entrou o Homem Muito Rico. Mal
entrou viu o bloco de papel que estava em cima da mesa. Leu o que lá estava
escrito, ficou furioso porque era muito avarento, e exclamou:
- Que atrevimento!
Depois viu que a bailarina tinha sido mudada de
sítio, ficou outra vez furiosos e exclamou:
- Oh!
Tocou a campainha e apareceu o mordomo.
- Chama imediatamente os criados
todos - disse o Homem Muito Rico.
Daí a um instante entraram os criados todos.
Puseram-se em fila em frente a porta. O Homem Muito Rico voltou-se para eles,
virando as costas à mesa onde estava o papel e à cômoda onde estava a
bailarina, e disse:
- passaram-se nesta casa duas coisas
escandalosas. Ai de quem as fez! Quero que o culpado se acuse. Quero saber quem
é que escreveu sentenças no papel e quem mudou a bailarina de sítio.
Os criados estavam assustadíssimos. Oriana, ouvindo
este discurso, ficou muito aflita com o que tinha feito. Num abrir e fechar de
olhos tocou a sua varinha de condão no bloco, fazendo desaparecer o que lá
estava escrito e tocou na bailarina, fazendo-a voar para cima da prateleira.
O Homem Muito Rico pegou no bloco, virou-o para os
criados e disse:
- Quem escreveu isto?
Os criados viram uma folha em branco e responderam:
- No bloco não está nada escrito.
O Homeme Muito Rico pensou que estava a sonhar. Não
sabia o que havia de dizer, nem sabia que cena é que havia de fazer. Tossiu e
disse com uma voz muito severa:
- Quem é que tirou a bailarina da prateleira?
Mas olhou para a prateleira e viu que a bailarina
já lá estava outra vez. Pensou que estava doido. Ficou outra vez
furioso e muito envergonhado com a figura que estava a fazer. Não
sabia o que havia de explicar aos criados. Tornou a tossir e disse:
- Eu estava a fazer uma experiência. Já se
podem ir embora.
Os criados foram-se embora e o Homem Muito Rico
sentou-se numa cadeira e começou a falar sozinho:
- Isto foi uma partida. Mas foi tão bem feita
que eu não percebi nada. Foi com certeza a criada da sala. A estas horas estão
todos na cozinha a rir-se de mim. Tenho que despedir a criada da sala.
Oriana estava aterrada.
- Que horrível! - Pensava
ela - aqui tudo dá mau resultado. Não consegui ajudar ninguém.
Enquanto pensava isto espreitou por cima do biombo.
O Homem Muito Rico estava sentado de costas para ela e Oriana viu que ele era
careca como um ovo. Então ficou cheia de pena. Resolveu pôr-lhe cabelo.
Tocou-lhe com sua varinha de condão na careca e imediatamente a careca se
cobriu de milhares de cabelinhos muito curtos. O Homem Muito Rico sentiu uma
comichão na cabeça. Foi ao espelho ver o que era. E viu que tinha a cabeça
cheia de cabelo novo a nascer.
Primeiro não acreditou no que viu. Estava um
instante de boca aberta, sem poder falar. Depois gritou:
- CABELO! CABELO!
Quando acabou de gritar, disse:
- Porque será que me nasceu cabelo? Há tantos
anos que eu era careca e experimentei tantos remédios que nunca, até hoje,
tinham dado resultado!
Ficou um instante calado e de repente bateu com a
mão na testa, exclamou:
- Já sei, já descobri o que foi: Foi aquela
viúva que me veio pedir emprego para o filho! Ela começou a falar da sua
pobreza e eu comecei a falar da minha falta de cabelo. Ela disse:
- “Não tenho dinheiro nenhum”
E eu respondi:
- “Não tenho cabelo nenhum”!
E ela então disse-me que ia mandar um remédio que
fazia crescer o cabelo. E no dia seguinte mandou-me um frasco com remédio
dentro. Eu pus o remédio e nasceu o cabelo! Tenho de lhe agradecer! Tenho de
lhe arranjar um emprego para o filho! Vai ser já!
E o homem muito rico, muito excitado, pegou no
telefone e marcou um número.
Foi a viúva que veio ao telefone. Disseram-se bons
dias e depois o Homem Muito Rico disse:
- Minha senhora, estou desvairado e louco de
gratidão. Ajoelho-me aos seus pés e beijo as suas mãos. Imagine que já tenho
cabelo! Se calhar até vou ter caracóis! E até me parece que o cabelo que me
está a nascer é loiro. Os grandes ideais da minha vida foram sempre ser rico e
ser loiro. Até aqui só tinha conseguido ser rico. Agora, graças a si, vou ser
loiro! Loiro! Loiro! Quero-lhe agradecer. Quero falar com o seu filho!
O filho da viúva veio ao telefone e o Homem Muito
Rico disse-lhe:
- Tenho um lugar para si! Um lugar magnífico,
perfeito, ideal. Basta lá ir duas vezes por semana e ganhar trinta contos por
mês. Não tem nada que fazer. É um lugar importantíssimo. Tinham-mo oferecido a
mim, era para mim, mas agora é para si!
Ouvindo isto, Oriana pensou:
- Até que enfim! Consegui fazer qualquer coisa
nesta casa. Já me posso ir embora! Uf!
E saiu pela janela.
Boa
ResponderExcluirq podre
ResponderExcluirque eu saiba ele era rico!!!!!!
ExcluirIsso me ajudou no trabalho que eu tinha que fazer
ResponderExcluirIsso ajudou no trabalho que eu tinha que fazer
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