IX. A Rainha das Fadas
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al chegou à beira do rio, Oriana
chamou:
- Peixe, meu amigo, aqui estão
as pérolas.
E o peixe trouxe do fundo do rio dez
fios de prata e Oriana enfiou as pérolas e fez dez colares.
Enrolou um colar à volta do pescoço,
enrolou um colar à volta de cada braço e entrelaçou em seus cabelos os outros
sete colares. Depois debruçou-se nas águas. Era um dia de inverno muito
luminoso e transparente. E Oriana viu seu reflexo mais claro e mais nítido do
que nunca. E nunca se tinha achado tão bonita. O brilho redondo das pérolas
rodeava o seu pescoço, refletia-se na sua pele, iluminava o seu cabelo.
- Nunca, nunca vi nada tão
bonito! – exclamava ela.
- pareces a rainha do mar, a
princesa da Lua, a deusa das pérolas – disse o peixe.
- Nunca mais me vou embora da
margem do rio – disse Oriana. – Quero passar o resto da minha vida a olhar para
mim.
Mas de repente Oriana calou-se.
Porque ouviu no ar um silêncio. E nesse silêncio levantou-se uma voz, uma voz
alta, direita e severa que chamou:
- Oriana!
Oriana estremeceu e voltou-se. Ao seu
lado, no ar, estava a Rainha das Fadas.
E a voz alta, direita e severa tornou
a falar:
- Oriana, o que é que estavas a
fazer?
Oriana pálida respondeu:
- Estava a olhar para mim.
- E a tua promessa?
Oriana abaixou a cabeça e não
respondeu.
- Oriana – disse a voz –,
faltaste à tua promessa e abandonaste a floresta. Abandonaste os homens e os
animais e as plantas. As crianças tiveram medo e tu não as consolaste, os
pobres tiveram fome e tu não lhes deste comida, os pássaros caíram dos ninhos e
tu não os apanhaste, o Poeta esperou por ti até às doze badaladas da meia noite
e tu não apareceste. Abandonaste o lenhador, o moleiro, o Poeta. Por fim até
abandonaste a velha. Não cumpriste a tua promessa. Durante uma Primavera, um
Verão e um Outono passastes os dias e as noites debruçada sobre o rio, a ouvir
os elogios de um peixe, apaixonada por ti. Por isso, Oriana, deixarás de ter
asas e perderás a tua varinha de condão.
E, dizendo isto, a Rainha das Fadas
fez, no ar, um gesto com a sua mão. E no mesmo instante, assim como as folhas
das árvores no Outono caem dos ramos, assim Oriana viu as suas caírem dos seus
ombros e ficarem de repente secas e mortas como dois papéis velhos. E o vento
passou e levou-as pelo ar. Oriana correu atrás delas, mas já não podia voar e
as asas desapareceram. E viu sua varinha de condão partir-se aos bocados e
desfazer-se em poeira, que caiu no chão.
E Oriana quis apanhar a poeira, e
ajoelhou-se no chão. Mas a poeira já estava misturada com a terra e as mãos de
Oriana só conseguiram apanhar terra.
E a voz alta, direta e severa tornou
a chamar:
- Oriana!
Oriana levantou-se e, com a cara
coberta de lágrimas e as mãos cheias de terra, pediu à Rainha das Fadas:
- Dá-me outra vez as minhas
asas! Dá-me outra vez a minha varinha de condão! Perdoa-me a minha vaidade. Eu
sei que faltei a minha promessa, sei que abandonei os homens, os animais e as
plantas da floresta. O peixe encheu-me de vaidade com seus elogios. Olhei tanto
para mim que me esqueci de tudo. Mas dá-me outra vez as minhas asas. Eu quero
voltar a ser como dantes. Quero voltar a ajudar os homens, os animais e as
plantas. Mas sem varinha de condão e sem asas, eu não posso ser fada. Preciso
da varinha de condão para poder ajudar os que precisam de mim.
Mas a voz alta, direita e severa da
Rainha das fadas respondeu-lhe:
- Vai pela floresta fora e vê o
mal que fizeste. Vê o que aconteceu aos homens, aos animais e às plantas que tu
abandonaste. A olhar para ti esqueceste –te dos outros. Só tornarás a ter asas
quando tiveres desfeito todo o mal que fizeste. Só tornarás a ter asas quando
te esqueceres de ti a pensar nos outros.
E mal acabou de dizer estas palavras,
a Rainha das Fadas desapareceu.
E Oriana ficou sozinha à beira do
rio, com a cara cheia de lágrimas e as mãos cheias de terra.
E ajoelhou-se ao pé do rio para lavar
as mãos. Mas quando viu na água a sua imagem sem as asas começou a soluçar e a
dizer:
- Asas, asas ai minhas asas! Que
feio que é uma fada sem asas! Que ridículo que é uma fada sem asas! Ninguém vai
acreditar que sou uma fada. Vão julgar que sou só uma menina bonita, quero ser
uma fada.
Oriana sentia-se muito triste e muito
sozinha. Lembrou-se do peixe e pensou:
- Vou pedir ao peixe que me
ajude. Ele é que teve culpa disto tudo.
E Pôs-se a chamar:
- Peixe, peixe, meu amigo!
Mas o peixe não apareceu.
Oriana tornou a chamar:
- Peixe, peixe, vem me consolar!
Vem ver como estou triste, olha o que me aconteceu!
Mas o peixe não apareceu.
- Deve ter fugido para longe –
pensou Oriana. – Vou esperar que ele volte.
E esperou, esperou sentada à beira do
rio. Mas passaram muitas horas e o peixe não apareceu.
- Que mau amigo, – pensou Oriana
– estou triste e ele não me vem consolar.
Então Oriana lembrou-se dos amigos
antigos que ela tinha abandonado. E lembrou-se de que a Rainha das Fadas lhe
dissera:
“Vai ver o que aconteceu aos homens,
aos animais e às plantas que tu abandonaste”.
E, levantando-se, limpou as suas
lágrimas e começou a percorrer a floresta.
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